A teoria da internet morta

Uma das cenas mais icônicas e filosóficas do cinema acontece no primeiro filme da franquia Matrix. Morpheu, personagem do ator Laurence Fishburne, oferece a Neo, o protagonista estrelado por Keanu Reeves, duas pílulas, uma vermelha e uma azul.
Segundo Morpheu, ao tomar a pílula azul, Neo acordaria em sua cama, se esqueceria de tudo o que tivesse acontecido naquela reunião e levaria sua vida normalmente. Porém, a pílula vermelha lhe apresentaria a verdade, ou seja, que ele estaria vivendo uma mentira, servindo apenas de combustível para uma megaestrutura que prendia todos os seres humanos num mundo virtual totalmente criado e manipulado por máquinas: a Matrix.
Traçando um paralelo com o status quo da internet do século XXI, chegamos a uma realidade surpreendente e, principalmente, extremamente perigosa. Segundo o relatório Bad Report, publicado pela empresa Imperva em março de 2025, cerca de 51% do tráfego da internet é gerado por bots e outras tecnologias de inteligência artificial (IA).
Os bots do mal (bad bots), que promovem todo tipo de ataques, golpes e outras atividades maliciosas, representam 37%. Por sua vez, os bots do bem (good bots), que promovem indexação de conteúdo, análise de dados, entre outras atividades que agregam valor, representam 17%. Finalmente, a atividade humana representa 49%.
Esses números dão força à teoria da internet morta, que teria surgido após um post do usuário de pseudônimo “Illuminate Pirate” em 2021, no fórum AgoraRoad.com. No referido post, o usuário faz afirmações no mínimo interessantes, como o “desaparecimento” de pessoas com as quais ele mantinha contato e a reciclagem de conteúdo cada vez mais constante, ou seja, os mesmos posts, as mesmas imagens e as mesmas respostas padronizadas aparecendo em diferentes plataformas de tempos em tempos.
“…segundo a teoria da internet morta, há um esforço coordenado e intencional para que a maior parte do conteúdo seja gerado automaticamente e manipulado por curadoria algorítmica, tudo para minimizar a atividade humana e, finalmente, executar um certo controle sobre a população”
Ele também sugere que há muitos usuários que na verdade são IAs, ou seja, agentes inteligentes interagindo com pessoas reais, e entre eles mesmos, gerando conteúdos previsíveis, enviesados e, pior, influenciando o debate sobre os mais diversos assuntos.
Portanto, segundo a teoria da internet morta, há um esforço coordenado e intencional para que a maior parte do conteúdo seja gerado automaticamente e manipulado por curadoria algorítmica, tudo para minimizar a atividade humana e, finalmente, executar um certo controle sobre a população. Os interessados nesse tipo de controle não seriam apenas as grandes empresas com seus objetivos capitalistas, mas também os governos, principalmente aqueles que flertam com a censura e com as ditaduras.
Eu sei, parece mais uma daquelas teorias da conspiração, porém, analisando com cuidado, faz todo o sentido. Eu mesmo já perdi as contas de quantos posts e comentários repetidos e padronizados eu já vi nas redes sociais. Também já tive muitas interações com bots, principalmente em posts políticos.
Ademais, na ânsia pela produtividade e pelo engajamento, muitos profissionais de mídia recorrem a tecnologias de geração automática de conteúdo. Essas tecnologias criam uma espécie de linha de produção de conteúdo digital, visto que o objetivo é ir na onda da trend do momento, e não necessariamente informar.
De fato, não é de hoje que estamos terceirizando nossas decisões para os insights e recomendações geradas pelas dezenas de aplicativos que usamos todos os dias. As opiniões que postamos, as músicas que ouvimos, os filmes a que assistimos, os produtos e serviços que consumimos; até que ponto essas decisões são realmente nossas ou apenas o produto de um sugestionamento digital?
Assim como Neo em Matrix, ao consumir conteúdo digital, precisamos escolher entre as pílulas azul e vermelha. Podemos continuar rolando o feed, acreditando que tudo é orgânico, autêntico e espontâneo; ou podemos acordar. A decisão é sua!
Artigo publicado originalmente na coluna Fatecnologia, do Jornal “A Tribuna”, no dia 01/06/2025
Imagem em destaque gerada pela IA Ideogram – https://ideogram.ai/